Eu tenho medo de me apaixonar. De ficar totalmente enlouquecida e escutar Chico Buarque bêbada rodopiando no quarto, e sentir que vou morrer da explosão de tanta vida condensada em mim. Eu tenho medo de me apaixonar romanticamente, de sentir essas correntes telúricas que sempre anunciam uma catástrofe de proporções jamais vistas. Eu tenho medo desse amor de não saber. Desse amor que dá costurar as horas e os minutos e os dias numa rede inextricável de dúvidas. Desse amor que transforma a gente em tocha humana, em manteiga humana, em trapo humano. Em humano. Eu tenho medo de me apaixonar e passar a me alimentar de uma coisa que só traz cada vez mais fome, e de ser consumida por essa fome, e de virar bicho com fome. Ou virar depósito pra uma tonelada de ausência. Eu tenho medo pavor de frio na bexiga, de frio nas mãos, de coração borbulhando a 300 graus Celsius. Eu tenho medo da minha vida inteira ser esticada num pêndulo que vai da loucura à plenitude. E de adoecer. Eu tenho medo de ser acometida por essa doença braba que nem sempre contagia quem a gente quer. Eu tenho medo de não ter uma mão pra segurar. Da insegurança que dá. Da burrice pela qual tanta gente admirável é vitimada. Tanta gente linda à mercê de um vírus. Tanta gente boa à disposição triste de esmolas afetivas. Não quero isso pra mim. Eu tenho medo de ter tanto medo ao ponto de nunca mais querer sentir, nem por quem valha à pena. Eu tenho medo de que esses quelóides em minha alma jamais deixem que minha sensibilidade retorne. Eu tenho medo de ver meu peito jazer inerte por não suportar a propulsão de um afeto brusco. De que as partes que restarem da destruição não reajam doloridas e vivas. De nunca mais ninguém me tirar de mim, de nunca mais mergulhar num olhar até perder o fôlego. De nunca mais me dissolver no corpo de ninguém e nunca mais escorrer pelas vias que levam a gente ao infinito. Eu tenho medo de me apaixonar e não aprender nunca, pequena que sou, que de paixão a gente não morre, a gente renasce.
Há um ano