sexta-feira, 1 de agosto de 2008

A Falta e a Chuva


O tempo ia escorrendo pela janela. Dava pra escutar o som da chuva com o tato e o olfato. De dentro do quarto tudo parecia tão pequeno que ela se esforçava para fazer render o ar.
Eram os beijos dele que faltavam ali. A falta deles roubava o oxigênio ao redor. E não havia nenhuma maneira de se concentrar, de conseguir se transportar de volta àquele colo. A ausência daquele homem triturava sua carne, e ela sentia como se escondesse um multiprocessador ligado no estômago. Ninguém conseguiria se concentrar sentindo tanta dor.
Aquelas mãos haviam viciado sua pele, e ela queria que o toque indescritível dele funcionasse também na distância, como a chuva que caia e que ela sentia com pelo menos dois sentidos a mais que o necessário.
É que ele possuía uma fluidez que lhe havia desandado as bases, uma coisa que anulava nela a mínima chance de pensar em reagir. Era algo que a tomava por dentro e por fora, rica e inebriante substância que agora corria em suas veias, que entorpecia quando ele estava por perto e enlouquecia quando ele partia.
E era tudo tão simples, intenso, profundo, bonito e dolorido... Tão mágico e tão perigoso...
Era a presença e a permanência dele, mesmo depois de ir-se.
Era aquilo que ela desejava, com todas as forças, quase em súplica, quase a gritar, mas sabia não ser sem consequências, e nem por isso desejava menos.
Aquele homem, a maneira incomparável dele de existir tão lindamente, irredutivelmente perfeito e tão superior a ela, que ali estava com frio e em vazia solidão.
Mas ela sabia. E olhava pra fora, para o sol que ia tímidamente alongando os raios por entre as nuvens ainda carregadas... E sentindo o cheiro terroso que se dissipava no ar que lhe restava ela lembrava, não sem tristeza, que toda dor provocada por uma paixão era assim... Forte, intensa, destruidora, insana e breve, como a
chuva de um verão.

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