sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Medo


Eu tenho medo de me apaixonar. De ficar totalmente enlouquecida e escutar Chico Buarque bêbada rodopiando no quarto, e sentir que vou morrer da explosão de tanta vida condensada em mim. Eu tenho medo de me apaixonar romanticamente, de sentir essas correntes telúricas que sempre anunciam uma catástrofe de proporções jamais vistas. Eu tenho medo desse amor de não saber. Desse amor que dá costurar as horas e os minutos e os dias numa rede inextricável de dúvidas. Desse amor que transforma a gente em tocha humana, em manteiga humana, em trapo humano. Em humano. Eu tenho medo de me apaixonar e passar a me alimentar de uma coisa que só traz cada vez mais fome, e de ser consumida por essa fome, e de virar bicho com fome. Ou virar depósito pra uma tonelada de ausência. Eu tenho medo pavor de frio na bexiga, de frio nas mãos, de coração borbulhando a 300 graus Celsius. Eu tenho medo da minha vida inteira ser esticada num pêndulo que vai da loucura à plenitude. E de adoecer. Eu tenho medo de ser acometida por essa doença braba que nem sempre contagia quem a gente quer. Eu tenho medo de não ter uma mão pra segurar. Da insegurança que dá. Da burrice pela qual tanta gente admirável é vitimada. Tanta gente linda à mercê de um vírus. Tanta gente boa à disposição triste de esmolas afetivas. Não quero isso pra mim. Eu tenho medo de ter tanto medo ao ponto de nunca mais querer sentir, nem por quem valha à pena. Eu tenho medo de que esses quelóides em minha alma jamais deixem que minha sensibilidade retorne. Eu tenho medo de ver meu peito jazer inerte por não suportar a propulsão de um afeto brusco. De que as partes que restarem da destruição não reajam doloridas e vivas. De nunca mais ninguém me tirar de mim, de nunca mais mergulhar num olhar até perder o fôlego. De nunca mais me dissolver no corpo de ninguém e nunca mais escorrer pelas vias que levam a gente ao infinito. Eu tenho medo de me apaixonar e não aprender nunca, pequena que sou, que de paixão a gente não morre, a gente renasce.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Teu Abraço na Linha de Chegada


Basicamente o que tenho feito todos esses dias: fugir dos pensamentos de você e buscar pensar em mim. Tentar me reerguer, reagir, manter uma constância de dias sem lágrimas ou estômago se contorcendo.
É estranho dizer isso, logo eu que inspiro tanta autonomia, mas é um confronto estar só e ainda confortável comigo mesma. A gente só abre a boca pra dizer que não precisa de ninguém quando tem pessoas suficientes com quem possa contar. Quando fica sozinho de verdade não é assim que as coisas acontecem.
Dá medo. Dá medo porque você normalmente não se abraça, não se beija, não se faz calor ou conversa consigo mesmo nas horas entediantes. O que é um erro. Talvez, se tudo isso não fosse julgado conduta típica dos nossos camaradas internados nos hospícios, uma horas dessas não ficaríamos tão devastados pela partida de quem a gente ama.
E a gente nem aprende isso do dia pra noite. Por mais que eu tente sim me convencer de que sou uma pessoa linda, talentosa e completa, e tente fazer com que todas as minhas qualidades em seu esplendor desqualifiquem a saudade que eu sinto de você, ainda assim não adianta. Você corre junto com meu sangue. Está em cada molécula, fibra e fluido corporal meu. Ou não. Você não está mais aqui e por isso meu corpo inteiro, em catarse, implora por você.
É um luto. Tentar me acostumar com o desaparecimento de alguém que está vivo dentro de mim. É seguir na vida um dia de cada vez vencendo a abstinência do teu cheiro, do toque, da voz, dos beijos, do aconchego, da segurança de encostar minha cabeça no teu peito e me sentir a salvo do mundo.
As lágrimas, a dor, a tua indiferença, principalmente, devem me ajudar a superar. Te ver e ver que a pessoa que tanto amo não está mais ali, pelo simples fato de não mais me amar. É bem isso. Ninguém ama um estranho, e você sem me amar é alguém que desconheço por completo.
Mas eu quero te ver feliz, assim como anseio ver a mim. Porque a dor que sinto é muito em função das lacunas que deixei em nossa relação. Eu sei que você abriu mão por vários motivos que talvez ignore, mas muito se deu pelo cansaço que a minha ausência e inconsistência te causou. Isso me causa um horrível remorso e me deixa meio em dívida contigo, e por isso os meus votos são altruístas.
Se fosse do contrário, adoraria te ver sofrer, mas nem de longe é esse o caso. E por isso dói mais. Por isso eu penso mais. Porque eu daria tudo (“ó, senso de evolução, perdoai-me”) pra ter uma chance de fazer diferente, pra ver como é sentir orgulho de cuidar bem de quem cuidou tão bem de mim.
Só que a verdade é que ninguém consegue fazer alguém feliz tendo mil pendências consigo mesmo, e hoje eu me ocupo de sanar esta famigerada obrigação de cuidar de mim. Não é simples, não é fácil e muitas vezes não é bom, mas é o que deve ser feito. Presumo que a próxima pessoa a me amar terá ao seu lado alguém realmente inteiro. Presumo ser a próxima pessoa a me amar.
Seria um desconcertante paradoxo estar fazendo tudo isso na expectativa de um dia te ter de volta, mas pensando bem, uma imagem que me dá força pra continuar é me ver vencedora, recebendo teu abraço na linha de chegada, mesmo que depois de tantas provas eu nem precise mais dele.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

A Busca



Não tenho medo da escuridão
que se projeta em mim.
Com os olhos virados para dentro,
me desvendo em meio a meu próprio caos.
Tem sido sempre assim.
Às vezes tropeço, noutras me atropelo.
Mas sigo, cega de luz
e certa dos sentidos que me impelem...
Buscando cores que nunca vi
e sabores que jamais senti, 
desço ao abismo de meu interior
em busca de alguém que me faça feliz.

domingo, 13 de março de 2011

Pra que pressa?

Pra que pressa, se a gente tem sinceridade?
Pra que abafar o gozo, desdenhar da sorte? 
Toda alegria que se tem na vida, meu bem,  
faz a gente se afastar da morte
e o tempo é um detalhe, quando o desejo é infinito.
Dos erros que cometi nessa vida, meu amor
você foi o mais bonito.

A enorme força da delicadeza

Uma borboleta brota
Da flor que canta
E grita suave o verde
Entre o zumbido manso
Das abelhas incansáveis...

Uma brisa fina
Refresca o tempo
E o azul do céu escorre
Macio, pelo horizonte pleno
De sol e coloridos montes...

Tudo tão simples e belo
Como são todas as verdades
E é cristalino
Como o olho do justo...

Na serena vibração
Na tom da melodia da terra
Na batida do coração,
No fluxo da seiva, na graça
Das coisa todas vivas
Tudo respira, vê e pulsa...

Nesta ternura infinita
De pés descalços e alma imensa...
Eu me deito para sentir
A enorme força da delicadeza.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Labirinto de espelhos



Todo mundo vive procurando alguém que caiba no seu sonho. A personificação ideal do ser amado.
As pessoas buscam exaustivamente aquilo que existe em suas mentes e corações, sem se darem conta da incoerência desta empreitada.
O ser idealizado se auto-define pelo nome. E é isso mesmo, ele não existe no mundo em que vivemos. Simplesmente porque não é possível que isso ocorra. Não quero parecer presunçosa, mas geralmente a pessoa residente em nossos sonhos é algo como nós mesmos numa versão master power plus. Ou seja, pura egotrip da nossa parte. E nada razoável, vamo combinar.
Para amar, antes de tudo temos de estar dispostos a nos chocar. A deixar que o outro nos surpreenda, absorvendo isso de maneira positiva, aprendendo com a pessoa, se possível. Porque o amor de verdade é isso, é a gente se colocar em confronto consigo mesmo e achar o maior barato, e não uma masturbação. Amar não é escolher o espelho de corpo inteiro perfeito pro closet, é aceitar que a diferença do outro sempre vai nos acrescentar mais do que nossa vaidade poderia supor.
Claro que nem sempre vai ser bom. Mas ainda assim, é válido. Sem impasses e discussões, não haveria termômetros para o amor. Seríamos vacas holandesas pastando serenas, longe dessa aventura que faz a vida num corpo humano valer tanto a pena. O defeito que você enxerga na pessoa pode ser o que vai te indicar o quanto esta dita cuja é essencial em sua vida. Nada de estranho, nós é que somos seres incongruentes por natureza e precisamos desses artifícios para nos sentirmos vivos.
Por isso é tão importante se deixar um pouquinho de lado, no momento da busca pelo seu esquenta-pés das noites frias. Até porque, vamo falar francamente, a gente nunca se apaixona pelo que já previa! Materializado o ser sublime que ruleia em nossas cabecinhas birutas, e correríamos léguas de alguém tão óbvio.
A gente se apaixona é pelo que não sabe dizer. Quanto menos soubermos exprimir, mais envolvido estaremos. O desconhecido coloca nossa utopia no chinelo.
É aquele olhar que você não decifra, a sensação nova que nunca vai poder definir, os trejeitos únicos de alguém que, uma vez tocado por seus olhos, jamais se perderá na multidão. São a suprema fraqueza e a ignorância nos fazendo sentir enormes. É a felicidade concentrada num frasco de procendêcia duvidosa, que a gente toma, se vicia e não quer largar nunca mais.
Uma parceria real, legítima e satisfatória não poderia ter graça se fosse diferente. As pessoas são mesmo difíceis, mesquinhas, orgulhosas e mentirosas, mas são poucas as inaptas a dar e receber tanto amor quanto for possível.
O certo é que, num momento qualquer, uns olhos imprevistos irão brilhar para nós e o(a) dono(a) deles possuirá uma voz que atingirá mais fundo que de costume. Aí então receberemos um sinal para suspender a busca. E saberemos que o sabor da descoberta é muito melhor que o da certeza.
Quando, não sei. Mas o local onde isto ocorrerá eu posso confiar a você. Será na saída do labirinto de espelhos.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Irracionais Famintos

E por estar ali, parada e só, a saudade de você me acompanhava.
Por estar carregada de nós, de nossas lembranças, e exausta de nossas madrugadas, eu me mantinha no mesmo exato lugar, coadjuvante entre os objetos que foram também seus. Seus livros, suas canecas, nossos bichos e lençóis.
Com a memória travada de dores, passei incontáveis dias. Incontáveis também porque todos haviam se tornado uma coisa só, adormecer ou desperdar, tanto fazia. Tanto fazia se era dia ou noite.
De vez em quando eu me punha de pé para alimentar o cão, o gato e os pombos, dependentes que eram deste meu esforço, e aí era a hora da saudade ser também nutrida, alimentando-se de mim, me sugando, me exaurindo. Você sabe que nunca neguei alimento a nenhum irracional faminto, sendo ele animal, desejo ou sentimento.
Era assim que eu buscava consolo. Eram as coisas que me haviam sido deixadas pelo inventário do seu adeus.
E eu cuidei delas por anos.
Mas o cachorro, já velho, um dia morreu. O gato fugiu (ou foi atropelado numa de suas investidas noturnas, porém prefiro pensar na primeira hipótese), e os pombos desapareceram durante o último inverno. Talvez voltem. Aprendi com você a não esperar.
Só a saudade, hoje velha e sem tanta força para me acompanhar, me visita, de quando em vez.
Não lembro mais do seu rosto. Nunca me forcei a esquecê-lo, mas aconteceu que um dia passei em frente ao espelho, um pouco mais disposta,  e me achei até atraente. Daí passei a ocupar-me tranquila de mim. Na verdade, o que possuo hoje é a saudade de sentir saudade de alguém. E como só tem você, vai você mesmo.
E aí sou eu, meu livros, canecas e lencóis cheirosos. Minhas coisas tão amadas, que jamais me deixarão.
Os animais famintos, sempre que posso, alimento. Mas na rua mesmo. Os desejos também.
E quanto aos sentimentos, copiei uma mania sua. Mato todos de desprezo, de inanição.
"De boa". Sem remorso algum.